Nos anos noventa participávamos do coral espírita Maria de Nazaré, sob a regência do maestro Samuel Andrade, quando aprendemos pequenas noções sobre o canto e a suprir a deficiência para conseguir atingir as notas da escala dos agudos.
Contralto que sou, sentia uma ponta de frustação por não conseguir cantar, mas após esses anos de treino explorando a segunda voz, hoje sou grata a Deus pela característica da minha voz que soa para mim, mais vigorosa na audiofrequência.
Fazendo parte do repertório do coral naturalmente estavam as várias versões melodiosas de Ave Maria, quase que obrigatórias nos eventos religiosos, dado o grande papel musical de elevar-nos os sentidos e tornar-nos susceptíveis às boas vibrações. Ave Maria de Gounoud, uma das minhas preferidas; quem não se impressiona e vai às lágrimas ao cantar ou ouvir uma Ave Maria – Gratia Plena. Gounoud ou Shubert, estes mestres nos deixaram o legado de terem traduzido o cântico dos anjos em homenagem a Maria para nosso denso plano se deleitar e navegar em aguas cristalinas e puras da música sacra.
Viajando nas notas musicais nos tornamos diáfanos, suaves, criamos asas e o toque mágico da melodia nos transporta para uma dimensão só vivenciamos em sonhos. Quando pensamos em Maria de Nazaré, Maria simplesmente, imediatamente nos vem à mente – Gratidão, Graças.
O magnificat, cântico traduzido por Lucas que ouviu embevecido dos próprios lábios de Maria, traz a pureza deste espírito iluminado, serva fiel ao Senhor: “Minha alma glorifica ao Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus, meu Salvador, porque olhou para sua pobre serva. Por isto, desde agora me proclamarão bem aventurada todas as gerações..”
Sim a gratidão de Maria, a Graça plena, é comovedora. Bem expressou Plínio Salgado, que poeticamente em seu livro – Vida de Jesus, revela uma comparação pálida, mas é o mais próximo que nossa capacidade de entendimento pode compreender a mansuetude e pureza deste coração, Plínio inspirado pelos céus, nos fala à alma quando escreve : “A estrela da tarde não é mais pura do que ela; os lírios rescendentes não são mais cândidos; e as sombras da noite não são mais misteriosas…
Se pudéssemos saber o que pensava Maria naquele instante! ( É o momento do Ângelus, da anunciação)
É preciso ser pobre, humilde; é preciso sofrer; é preciso perdoar; é preciso ser bom; é ser desprendido de todos os bens terrenos e ser mais castos do que os cordeiros sem mancha e mais resignado do que as vítimas na ara dos holocaustos, para nos aproximarmos, de leve, dos pensamentos de Maria naquele instante.”
Em todas as épocas os orgulhosos e vaidosos que somos sempre desdenhamos da humildade e da pureza, não concebemos o que é ser simples, dócil, fiel, servo do Senhor, ser obediente e humilde. Na solicitude de Maria conhecemos uma candidez que não nos é possível imitar por que no minuto seguinte que o tentamos nossa impertinência desmascara a carantonha disforme que nos põe a descoberto revelando ainda as deformidades de nossas almas distantes da luz. Desdenhamos dos simples porque o orgulho nos cega e somos afeitos aos jogos do poder e da sedução, não somos ainda capazes de apreciar a beleza da brancura da neve, parece-nos monótono e triste, nossos sentidos necessitam ainda dos tons fortes, cada vez mais necessitamos de estímulos adrenérgicos, estamos entorpecidos no marasmo da superficialidade.
Se você que lê estas linhas está achando que estou sendo muito dura, negativista e pessimista, fique certo (a) que ainda assim pensando é fruto do nosso orgulho que não quer enxergar a própria deformidade, a face de Quasímodo que tentamos esconder por trás dos maneirismos disfarçados das gentilezas artificiais, apresentadas muitas vezes pelas boas maneiras, pela força do hábito de ser cortês que na realidade escondem na maioria parte do tempo a intolerância, preconceitos, orgulho de classe e tantos outros defeitos que empurramos para o porão do nosso inconsciente.
Mas o exemplo de Maria, cala profundamente em nosso íntimo, nós que buscamos ardentemente a luz, mas ao mesmo tempo não queremos afastar-nos da materialidade, dos prazeres, da falsa ilusão de nossas zonas de conforto, que nos convidam a deixar para amanhã nossa reforma íntima; é a eterna resistência às mudanças.
Sim nos acomodamos, pois gasta energia, tempo e dinheiro assumirmos uma nova postura diante da vida. Tornamo-nos inquietos e aflitos diante da menor possibilidade de mudar.
Entretanto mudanças são necessárias e a vida nos sacode forte de vez em quando, destruindo e reconstruindo. Quando elas acontecem, após a viravolta, depois de passada a tempestade é que nos conscientizamos que devemos dar graças pelas dores, pelas lágrimas, pela renovação diária.
A gratidão lembra-nos sempre, que não vivemos sozinhos, não somos autossuficientes, muito pelo contrário existe todo um mundo que se encadeia, que se completa e se organiza.
Ser grato a tudo nos põe em salva guarda contra a presunção do individualismo e nos faz ver com outros olhos a vida em sociedade, a cooperação e a solidariedade, este sentimento que nos dá o sentido universal de sermos visceralmente ligados e entrelaçados no plasma cósmico que nada mais é que o hálito do Criador em sua contínua abundância de criação e harmônica estética do belo e grandioso.
Pasmem diante de tão profunda beleza do mundo em torno de nós- a fluorescência revelada dos infinitesimais – o fantástico mundo dos micros ( das profundezas abissais dos mares às múltiplas formas reveladas dos fungos e vírus) até o macro, nas extraordinárias potências estelares em processo de explosão energética, a vida pulsa intensamente.
Como dizia um provérbio Judeu: “Sou tudo, sou nada”, ou mesmo Paulo de Tarso: “Tudo posso Naquele que me sustenta”. Tudo é gratidão no universo consciente. Tudo respira na grande dança cósmica da gratidão.

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