Uma menina de 17 anos. Menina ainda aos nossos olhos. Apesar da idade cronológica, seu corpo franzino mais parecia uma adolescente de 13 anos.
Magra, mignon, cabelos curtos “à la garçon” faziam-na parecer mais jovem do que era. Trazia uma massa crescente, invisível, ainda, mas gradativamente avassaladora, uma doença que iria roubar a beleza juvenil da sua mocidade e transformar a história familiar em um vale de lágrimas tão comovente quanto dolorosa.
Um sarcoma se alojara na intimidade dos ossos de sua face.
A felicidade da conquista do exame do vestibular fora fugidia, após uma súbita e intensa cefaleia, veio consultas e exame e o resultado da Tomografia fechara um diagnóstico sombrio: Um sarcoma de partes moles.
Os sarcomas constituem um grupo heterogêneo de tumores que aparecem predominantemente no folheto embrionário denominado mesoderma, que é responsável pelo tecido conectivo, tecido este que se encontra no pericárdio, pleura, endotélio de vasos sanguíneos, músculo liso e estriado, ossos, cartilagem e sinóvia.
Já foram identificados mais de 50 subtipos destes tumores e a maioria dos sarcomas da cabeça e pescoço envolve tecidos moles, enquanto que os de tecidos duros correspondem apenas a 20% dos casos. Os tipos mais frequentes incluem os rabdomissarcomas, os histiocitomas malignos, fibrossarcomas e neurofibrossarcomas.
Ainda descrevem-se os osteossarcomas, os condrossarcomas, hemangiossarcomas, dermatofibrossarcomasprotuberans, leiomiossarcomas, lipossarcomas, miossarcomas, schawannoma maligno, sinoviossarcoma.
No segmento da cabeça e pescoço representam cerca de 10% de todos os sarcomas nos adultos, 35% nas crianças e apenas 1% de todas as neoplasias deste segmento.
Tem como principais fatores prognósticos o grau de diferenciação histológica, o tamanho, a presença ou ausência de metástase.
De forma simples a classificação em lesões de baixo e alto grau se diferencia pela capacidade de metastatização. Enquanto aquelas apresentam 15% desta capacidade de metástase, estas, as de alto risco metastatizam em 50%.
Outros fatores incluem localização do tumor primário, profundidade tumoral, doença recorrente e margens cirúrgicas macro e microscópicas comprometidas.
O tratamento é constituído pelo tripé: cirurgia, radioterapia e quimioterapia; sendo a cirurgia a principal forma de tratamento dos sarcomas de cabeça e pescoço.
A radioterapia pode ser realizada pré, no pós-operatório e no intraoperatório. Ainda utiliza-se também a braquiterapia.
Embora já bem estabelecida o valor da quimioterapia nos tumores de Ewing e osteossarcoma, a resposta quimioterápica nos sarcomas de partes moles segue controversa, com estudos ora apontando aumento de sobrevida ora negando estes dados.
Acrescente-se que a doxorrubicina como droga isolada apresenta uma resposta global de 26%.
Estas são doenças de mau prognóstico, frequentemente desenvolvendo metástases, com baixa resposta à quimioterapia. Com sobrevida global em 5 anos de 50 a 60% e estes paciente morrem em sua grande maioria em decorrência da doença metastática, geralmente 2 a 3 anos após o diagnósticos, sendo que em 80% deles a doença está avançada.
A menina teve o diagnóstico de fibrossarcoma. Após inúmeras sessões de quimioterapia sem sucesso, com a doença sempre avançando foi submetida por fim a uma cirurgia mutiladora adiada até quando já era o último recurso.
Na noite de sua partida, ela mantinha-se sempre serena apesar das dores atrozes. Serenidade que só o sofrimento da doença transformadora fornece e só o amadurecimento do Espírito cria esta aura de profundo respeito á vida e a morte. Via anjos naquele momento e anunciara à mãe que, envolta em um manto de dor chorava que Jesus estava de braços abertos, vindo lhe buscar.
Partiu a menina, o corpo vencido pelo tumor, mas a alma liberta deixou o grande ensinamento de resignação e coragem. Atravessou a ponte que separa os vencidos dos vencedores e voou.
Fonte: De Carlucci Jr, D em Manual do Residente de Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Cap 43. 2ª Edição. Manole. 2013.